KIM MCGRATH: POUCAS MUDANÇAS NO INTERESSE DA AUSTRÁLIA NO MAR DE TIMOR

A académica e escritora australiana Kim McGrath, autora do livro “Passar dos Limites- A História Secreta da Austrália no Mar de Timor”, considera que há poucas mudanças do Governo australiano em relação ao seu interesse no Mar de Timor, mesmo após a realização da troca de notas do Tratado das Fronteiras Marítimas, que teve lugar na passada semana.
“Penso que houve poucas alterações por parte da Austrália no que toca à sua atitude, mesmo depois da troca de notas diplomáticas relativas ao Tratado das Fronteiras Marítimas do Mar de Timor entre os dois países, na passada semana”, disse na quarta-feira (04-09), durante a cerimónia do lançamento do seu livro, no Hotel Novo Turismo, em Díli.
Kim McGrath mostrou o seu desagrado pelo facto de o Governo australiano ter agido de forma ilegal contra Timor-Leste após a sua independência, nomeadamente sobre o alegado ato de espionagem desencadeado pelo Governo de Camberra, durante as negociações sobre o novo tratado das Fronteiras Marítimas entre os dois países.
“Apesar disso, continuo muito dececionada em relação à forma como todo o processo se desenrolou. Exemplo disso foram as informações vindas a público sobre ações de espionagem da Austrália durante todo o processo de negociações. Acho uma atuação pouco abonatória para a Austrália e é, por isso, um indicador de que o seu Governo tem de mudar de atitude”, declarou.
Com base nas evidências das investigações encontradas nos documentos oficiais australianos, a autora considera que a Austrália não é um país em que se possa confiar.
“Depois de todas as leituras e investigações que realizei sobre toda a documentação do processo, sobretudo no que respeita aos ficheiros secretos da década de 1960, acho que é muito difícil continuar a confiar nas atitudes da Austrália”, disse.
Já o ex-Presidente da República timorense, José Ramos Horta, defendeu que a Austrália é um “país amigo de Timor-Leste, salientando que “o atual Governo australiano não tem nada a ver com os problemas que ocorreram no passado”. Pediu, por isso, que Timor-Leste mantivesse as relações e confiança com a Austrália, dado que é um país “aliado a nível internacional”.
“Com certeza que Timor-Leste deve continuar a manter a confiança na sua vizinha Austrália. Quem apoiou a invasão de Timor-Leste pela Indonésia foram os Estados Unidos. Quem deu armas que matou muitos timorenses foram os americanos. No entanto, mantemos boas relações com a América. Por que não haveríamos de ter igualmente boas relações com a Austrália? Quem invadiu Timor-Leste e matou 200 mil timorenses foi a Indonésia e, no entanto, mantemos de igual modo boas relações com a Indonésia”, disse.
“Não devemos ficar zangados. A Austrália é um país vizinho, um país amigo, pelo que o atual Governo australiano nada tem a ver com o Governo de há 15 anos ou quase 20 anos. A Austrália é um país com grande potência internacional e aliado dos Estados Unidos da América, de Singapura, Japão, Coreia e Inglaterra. Por isso, é importante que o país mantenha os laços de cooperação”, referiu.
O diplomata destacou ainda a importância do apoio de Camberra a Timor-Leste durante os últimos anos, sugerindo que a Austrália intensificasse o apoio financeiro na ajuda às forças armadas e à polícia timorense.
“A Austrália sempre nos apoiou, agora e nos últimos anos. Queremos é que se intensifiquem as relações bilaterais. Por isso, o país aliado tem de aumentar a ajuda financeira e económica, sobretudo no apoio às F-FDTL e à PNTL”, disse.
Horta afirmou ainda que os políticos timorenses conhecem bem a história recente que ocorreu no país. Pediu, por isso, que fossem honradas todas as vítimas e heróis que tombaram e que fosse deixada a parte negativa da história.
Para o diplomata, a política de Timor-Leste tem de continuar a ser “inteligente e pragmática de modo a reforçar as relações bilaterais com a Austrália”, disse.
Recorde-se que, na passada quarta-feira (04-08), decorreu a cerimónia de lançamento do livro “Passar dos Limites- A História Secreta da Austrália no Mar de Timor”, no Hotel Novo Turismo, em Díli.
No seu discurso, a autora Kim McGrath resumiu o conteúdo do livro, afirmando que, em fevereiro de 1963, ainda durante a colonização portuguesa, o Governo australiano determinou secretamente que seria “inevitável que Timor-Leste fizesse parte da Indonésia”.
“Descobri que, nesse mesmo ano, em 1963, o Governo australiano sabia que, na linha mediana, havia um grande potencial de exploração de petróleo e gás”, disse.
Segundo Kim McGrath, a Austrália rejeitou “negociar com Portugal as fronteiras marítimas no Mar de Timor e, em 1972, celebrou um acordo com a Indonésia.
“A Austrália rejeitou inúmeras aproximações de Portugal para negociar as fronteiras marítimas no Mar de Timor. Assinou um tratado com a Indonésia em 1972 que dava à Austrália dois terços do Mar de Timor. Este tratado não incluía a área entre a Austrália e o Timor Português, que ficou conhecida como Timor Gap”, recordou.
A Revolução de 25 de abril de 1974, em Portugal, permitiu a autodeterminação de Timor-Leste, que não foi apoiada pelo Governo australiano.
McGrath encontrou nos Arquivos Nacionais australianos provas de que a Austrália tinha interesses diretos de multibiliões de dólares na invasão e ocupação indonésia, facto escondido pela Austrália, que aceitaria posteriormente a soberania da Indonésia em Timor-Leste, esquecendo as questões morais, e avançou para as negociações do Timor Gap.
Para as autoridades australianas, era mais fácil negociar com a Indonésia do que com Portugal ou Timor-Leste independente. O acordo chegaria finalmente em 1989, tendo Austrália ficado com 80% dos campos de petróleo.
Kim McGraht, lembrou ainda que, em 2000, o Governo da Austrália quis divulgar documentos de 1974 e 1976, mas deixou em segredo a resposta à invasão da Indonésia e o Mar de Timor.
No período da independência de Timor-Leste, a Austrália montou alegadamente escutas no Palácio do Governo para obter informações sobre as negociações para um acordo celebrado em 2006 que não possibilitava renegociações durante 50 anos, tendo 80% do Greater Sunrise ficado com os australianos.
As escutas foram denunciadas pela Testemunha K, que, juntamente com o seu advogado, respondem em tribunal na Austrália.
McGrath pediu, por isso, aos participantes do lançamento do livro que atuassem junto dos seus governos para que a Austrália fosse condenada pelo comportamento. (Oct)
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